Por que fetos de lhamas usados em rituais na Bolívia representam risco sanitário ao Brasil

Apreensões de fetos e múmias de lhamas acendem alerta na fronteira do Brasil com a Bolívia Fetos de lhamas empalhados ou mumificados, considerados sagrados n...

Por que fetos de lhamas usados em rituais na Bolívia representam risco sanitário ao Brasil
Por que fetos de lhamas usados em rituais na Bolívia representam risco sanitário ao Brasil (Foto: Reprodução)

Apreensões de fetos e múmias de lhamas acendem alerta na fronteira do Brasil com a Bolívia Fetos de lhamas empalhados ou mumificados, considerados sagrados na Bolívia, têm sido apreendidos com frequência em Corumbá (MS), que fica na região de fronteira com o país vizinho. O aumento dessas apreensões no Brasil, desde 2024, tem despertado a atenção das autoridades devido ao risco sanitário. No ano passado, foram apreendidos cerca de 400 fetos de lhamas com estrangeiros que tentavam entrar ilegalmente no Brasil pela fronteira com a Bolívia. Antes disso, o número de apreensões era tão baixo que não há dados consolidados de apreensões em anos anteriores. Os fetos de lhama tinham como destino final o mercado esotérico de São Paulo, conforme depoimento à Receita Federal de pessoas apreendidas com os itens. De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a entrada de animais mortos no país acende alerta à saúde pública e ao setor agropecuário brasileiro (entenda mais abaixo). Você vai ler nesta reportagem: 🦙Por que fetos de lhamas são usadas em rituais na Bolívia 📿Como os fetos são incorporados às cerimônias 🌍Quem é Pachamama, a deusa andina venerada em rituais ⚠️Apreensões na fronteira preocupam as autoridades 🔥O risco sanitário e o destino da carga ilegal apreendida no Brasil Fetos de lhamas são apreendidos em Mato Grosso do Sul, na fronteira do Brasil com a Bolívia Arte g1 🦙Por que fetos de lhamas são usados em rituais na Bolívia O doutorando em Antropologia Social Alyson Matheus de Souza pesquisa os costumes e tradições na região de fronteira do Brasil com a Bolívia. Em entrevista ao g1, o pesquisador explicou que o uso dos fetos de lhamas nos rituais é uma forma de agradecer às divindades por conquistas como trabalho, saúde e prosperidade. "Os rituais com as lhamas são atos que reúnem crença, fé, tradição e esperança", destacou o especialista. Nos rituais, além dos fetos, são usados outros elementos considerados sagrados, como folhas de coca, bebidas alcoólicas, esculturas de açúcar e lãs coloridas. Ao fim da cerimônia, segundo o pesquisador, todos os itens são queimados. As cerimônias não envolvem lhamas adultas. A partir de pesquisas de campo na Bolívia, o antropólogo identificou que os fetos são retirados de fêmeas grávidas que morreram naturalmente ou foram abatidas para alimentação. O pesquisador explica que os fetos representam uma força vital e são oferecidos como “préstamo” — um tipo de presente — à Pachamama, deusa da terra e da fertilidade cultuada pelos povos indígenas da Bolívia. Para os povos da região, objetos pequenos, como fetos e sementes, possuem energia espiritual poderosa. O antropólogo diz ainda que os bolivianos acreditam que os itens têm poder de transformar a realidade e criar conexões entre pessoas, natureza e divindades. 📿Como os fetos são incorporados às cerimônias O antropólogo explicou que as lhamas são consideradas sagradas pelos povos indígenas do altiplano boliviano. Segundo ele, mesmo antes da chegada dos colonizadores espanhóis, já havia rituais que usavam partes do animal, como a lã, a gordura e os fetos. “Miniaturas desse animal feitas com argila ou metais preciosos, como ouro e prata, também já compuseram a ampla gama de materialidades utilizadas em eventos ritualísticos que visam o culto a seres sagrados, como Pachamama”, disse. 🌍Quem é Pachamama, a deusa andina venerada em rituais Na Bolívia e em outras regiões andinas, Pachamama é conhecida como a Mãe Terra. Ela simboliza a fertilidade, a natureza e a proteção dos bens materiais. Povos indígenas, como os quéchuas e os aimarás, realizam rituais em sua homenagem ao longo de todo o mês de agosto, com destaque para o dia 1º, quando se celebra o Dia da Pachamama. De acordo com a crença boliviana, as famílias devem fazer uma oferenda à deusa, enterrando um feto de lhama embaixo de suas casas como proteção, saúde e boa sorte. ⚠️Apreensões na fronteira preocupam autoridades Corumbá, cidade a 429 km de Campo Grande, está na divisa com Puerto Quijarro e Puerto Suárez, na Bolívia. O trajeto na chamada fronteira seca é feito apenas por uma via: a Rodovia Ramon Gomes, continuação da BR-262, no fim da área urbana brasileira. Segundo o especialista, a posição geográfica se torna estratégica para casos de tráfico. A região é usada como rota para diferentes tipos de tráfico, contrabando e descaminhos. Em 2024, 175 fetos de lhamas empalhados e mumificados foram apreendidos e incinerados em Corumbá em apenas sete dias. O material foi encontrado em ônibus que seguiam para São Paulo. Apesar da apreensão, não há prisão, mas os animais são incinerados por risco à saúde pública, segundo a Receita Federal. Em 2025, a primeira apreensão ocorreu em 7 de julho. A Receita encontrou 25 fetos escondidos em sacos com produtos agrícolas dentro de um ônibus, também em Corumbá. Fetos de lhamas foram apreendidos e incinerados em Corumbá (MS). Receita Federal A Receita Federal já havia manifestado preocupação com o caso, destacando que a descoberta revelava "a complexidade e a gravidade das atividades irregulares" associadas ao transporte clandestino de passageiros. Segundo o órgão, essas ações envolviam não apenas o contrabando de mercadorias e o tráfico de entorpecentes, mas também o transporte ilegal de animais, o que representava sérios riscos sanitários. A Receita Federal informou ainda que não há registros de apreensões de fetos e múmias de lhamas antes de 2024. Segundo o órgão, as apreensões mais recentes ocorreram durante fiscalizações de rotina. Até a última atualização desta reportagem, não havia uma investigação específica sobre o tema. 🔥O risco sanitário e o destino da carga ilegal apreendida no Brasil Para impedir a entrada de produtos ilegais que ameacem os interesses agropecuários do país, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) atua em parceria com outros órgãos de controle nas fronteiras, como a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Receita Federal e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o auditor fiscal federal agropecuário Clovis Baseggio, a ação busca evitar riscos à saúde pública e garantir a segurança sanitária nacional. O auditor explica que os fetos e as múmias de lhamas podem carregar patógenos perigosos para a saúde e para o agronegócio brasileiro. "Posso citar como exemplo a febre aftosa e brucelose, ambas consideradas zoonoses e com grande risco ao agronegócio Brasileiro. Assim que são apreendidos, os produtos são imediatamente encaminhados para incineração, sob controle oficial do MAPA", explicou. O auditor explica que, se os animais estivessem vivos, precisariam passar por um processo de importação, incluindo quarentena e exames laboratoriais para garantir que estão saudáveis, atendendo a todos os requisitos sanitários estabelecidos em acordo bilateral. "Este processo de obtenção [tráfico] não passa por nenhum controle oficial. Não existem garantias sanitárias. É comum tais fetos apresentarem larvas e odor pútrido. O risco é alto justamente por essa falta de controle. Tem também a questão de bem-estar animal. Muitas vezes ocorre a indução do aborto para obtenção dos fetos". Ele ainda afirma que não existe acordo firmado entre os países para comércio internacional deste tipo de produto. Então, não é permitida a entrada de fetos e múmias de lhamas no Brasil. Segundo a Receita Federal, bolivianos que transportavam os fetos e múmias relataram que o destino final era o mercado esotérico de São Paulo, onde são vendidos por até R$ 500 cada. Apesar da frequência das apreensões, a Receita informou que ainda não há investigação formal sobre a rede de distribuição desses itens no Brasil. Após a apreensão, por motivos sanitários, os fetos empalhados ou mumificados são incinerados pelo Mapa, seguindo protocolos de segurança. O g1 questionou os ministérios da Cultura e da Saúde da Bolívia sobre as medidas sanitárias adotadas diante das práticas de rituais com os fetos, mas não tinha recebido resposta até a última atualização desta reportagem. Fetos foram entregues ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Receita Federal/ Divulgação Veja vídeos de Mato Grosso do Sul: